sábado, 31 de janeiro de 2015

“O legado da escravidão e o preconceito contra negros no Brasil” - Proposta de redação da UNESP 2015

O vestibular da Unesp é realizado pela Vunesp (Fundação para o Vestibular da Universidade Estadual Paulista) e tem como característica abordar temas das mais variadas linhas, desde as de cunho social até as pessoais e filosóficas. No vestibular 2015, em sua primeira fase que foi realizada no dia quinze de dezembro de 2014, o tema da proposta de redação foi “O legado da escravidão e o preconceito contra negros no Brasil”1, que surpreendeu os candidatos, já que a Unesp é uma verdadeira caixinha de surpresas em termos de temas de propostas de redação. Apesar desta aparência tranquilidade, ressaltamos que o tema não é relacionado à escravidão passada, mas sim ao seu legado, às suas consequências, como o racismo, que, infelizmente, perduram até hoje no Brasil.
Deste modo, de antemão, o candidato deveria ter abordado as consequências atuais da escravidão (racismo) no Brasil e não no mundo todo ou em outro país. Dissertar sobre a história da escravidão, por exemplo, e não chegar ao seu legado atual é tangenciar o tema.
A proposta de redação, na íntegra, é a seguinte:
Texto 1
O Brasil era o último país do mundo ocidental a eliminar a escravidão! Para a maioria dos parlamentares, que se tinham empenhado pela abolição, a questão estava encerrada. Os ex-escravos foram abandonados à sua própria sorte. Caberia a eles, daí por diante, converter sua emancipação em realidade. Se a lei lhes garantia o status jurídico de homens livres, ela não lhes fornecia meios para tornar sua liberdade efetiva. A igualdade jurídica não era suficiente para eliminar as enormes distâncias sociais e os preconceitos que mais de trezentos anos de cativeiro haviam criado. A Lei Áurea abolia a escravidão mas não seu legado. Trezentos anos de opressão não se eliminam com uma penada. A abolição foi apenas o primeiro passo na direção da emancipação do negro. Nem por isso deixou de ser uma conquista, se bem que de efeito limitado.
(Emília Viotti da Costa. A abolição, 2008.)
Texto 2
O Instituto Ethos, em parceria com outras entidades, divulgou um estudo sobre a participação do negro nas 500 maiores empresas do país. E lamentou, com os jornais, o fato de que 27% delas não souberam responder quantos negros havia em cada nível funcional. Esse dado foi divulgado como indício de que, no Brasil, existe racismo. Um paradoxo. Quase um terço das empresas demonstra a entidades seriíssimas que “cor” ou “raça” não são filtros em seus departamentos de RH e, exatamente por essa razão, as empresas passam a ser suspeitas de racismo. Elas são acusadas por aquilo que as absolve. Tempos perigosos, em que pessoas, com ótimas intenções, não percebem que talvez estejam jogando no lixo o nosso maior patrimônio: a ausência de ódio racial.
Há toda uma gama de historiadores sérios, dedicados e igualmente bem-intencionados, que estudam a escravidão e se deparam com esta mesma constatação: nossa riqueza é esta, a tolerância. Nada escamoteiam: bem documentados, mostram os horrores da escravidão, mas atestam que, não a cor, mas a condição econômica é que explica a manutenção de um indivíduo na pobreza. […]. Hoje, se a maior parte dos pobres é de negros, isso não se deve à cor da pele. Com uma melhor distribuição de renda, a condição do negro vai melhorar acentuadamente. Porque, aqui, cor não é uma questão.
(Ali Kamel. “Não somos racistas”. www.oglobo.com.br, 09.12.2003.)
Texto 3
Qualquer estudo sobre o racismo no Brasil deve começar por notar que, aqui, o racismo é um tabu. De fato, os brasileiros imaginam que vivem numa sociedade onde não há discriminação racial. Essa é uma fonte de orgulho nacional, e serve, no nosso confronto e comparação com outras nações, como prova inconteste de nosso status de povo civilizado.
(Antonio Sérgio Alfredo Guimarães. Racismo e anti-racismo no Brasil, 1999. Adaptado.)
Texto 4
Na ausência de uma política discriminatória oficial, estamos envoltos no país de uma “boa consciência”, que nega o preconceito ou o reconhece como mais brando. Afirma-se de modo genérico e sem questionamento uma certa harmonia racial e joga-se para o plano pessoal os possíveis conflitos. Essa é sem dúvida uma maneira problemática de lidar com o tema: ora ele se torna inexistente, ora aparece na roupa de alguém outro.
É só dessa maneira que podemos explicar os resultados de uma pesquisa realizada em 1988, em São Paulo, na qual 97% dos entrevistados afirmaram não ter preconceito e 98% dos mesmos entrevistados disseram conhecer outras pessoas que tinham, sim, preconceito. Ao mesmo tempo, quando inquiridos sobre o grau de relação com aqueles que consideravam racistas, os entrevistados apontavam com frequência parentes próximos, namorados e amigos íntimos. Todo brasileiro parece se sentir, portanto, como uma ilha de democracia racial, cercado de racistas por todos os lados.
(Lilia Moritz Schwarcz. Nem preto nem branco, muito pelo contrário, 2012. Adaptado.)
Com base nos textos apresentados e em seus próprios conhecimentos, escreva uma redação de gênero dissertativo, empregando a norma-padrão da língua portuguesa, sobre o tema: O legado da escravidão e o preconceito contra negros no Brasil
O primeiro texto da coletânea afirma que a Lei Áurea, assinada em 1888, não garantiu a integral liberdade dos ex-escravos, o que é uma verdade. O candidato que estudou bem História, ao ler este texto de Emília Viotti da Costa, deveria ter relacionado estas afirmações com os fatos de que muitos negros, após a abolição, continuaram trabalhando nos mesmos lugares, pois não tinham para onde ir e os que foram embora das fazendas e das casas nas quais trabalhavam foram morar nas periferias das cidades; primeiramente, nos cortiços e, após uma limpeza urbana como ocorreu no Rio de Janeiro, nos morros. A novela Lado a Lado, da rede Globo, exibida entre os anos 2012 e 2013 mostrou muito bem este período histórico e foi uma bela aula de História.
Assim iniciou-se mais uma fase da vida da população negra à margem, literalmente, do restante da sociedade, ou seja, nas periferias e nos morros das cidades, isolados, afastados e sem nenhuma condição de qualidade de vida, o que ainda acontece nas favelas e comunidades por todo o país, infelizmente.
O segundo texto da coletânea, de autoria de Ali Kamel, de um modo é uma continuidade do primeiro texto, pois retrata a condição do negro no mercado de trabalho, mais especificamente em grandes empresas, e constata a pouca mão de obra negra e relaciona este fato não à cor da pele, mas sim à pobreza e à má distribuição da renda da qual a população negra é vítima desde a abolição da escravidão.
O candidato poderia, em sua redação, adicionar a isto o fato de que os trabalhadores negros ganham menos do que os branco inclusive quando ocupam os mesmos cargos e estes fatos estão conectados ao fato de que poucos estudantes negros conseguem adentrar nas universidades públicas e particulares do Brasil e, para tratar este problemas, as cotas foram criadas como medidas afirmativas. Porém, ressaltamos que a proposta de redação não trata das cotas raciais, mas elas podem ser trazidas pelos candidatos como estratégias argumentativas.
O terceiro texto da coletânea textual, por sua vez, contesta a afirmação ilusória de que, no Brasil, não há preconceito racial. Basta conversarmos com uma pessoa negra para verificarmos que isto é, realmente, uma mentira. A todo o momento temos provas disso, desde piadas racistas até publicidades e programas de televisão com cunho preconceituoso, como foi o caso de Sexo e as Nega da rede Globo, contrariando Lado a Lado. Nesta série, as mulheres negras são retratadas como objetos sexuais, nada mais e isto gerou inúmeras discussões, principalmente nas redes sociais, fato que pode ter sido colocado, pelos candidatos, como um legado da escravidão no Brasil.
O quarto e último texto da coletânea textual é uma continuação do terceiro e questiona, novamente, a inexistência do racismo no nosso país. Ninguém é racista, mas conhece um.
Os casos de racismo no futebol brasileiro que ocorreram em 2014 são um legado da escravidão brasileira. A torcedora do Grêmio que chamou de “macaco” o goleiro Aranha, do Santos, argumentou que tem amigos negros e que já saiu com homens negros, mas isso não justifica ela ter enchido a boca para ofender o jogador oponente.
O caso do casal de namorados – ela negra e ele branco – que postou uma foto juntos em uma rede social e foi alvo de preconceitos é um legado da escravidão no Brasil. E ainda há quem diga que não há racismo por aqui…
Portanto, o tema da proposta de redação da Unesp 2015 é pertinente, atual e importante e poderia muito bem ser uma proposta de redação do Enem com a adição da exigência de uma proposta de intervenção social que objetivasse eliminar, de fato e de vez, o racismo no Brasil.
  1. Todos os cadernos de questões e de redação do vestibular 2015 da Unesp, assim como maiores informações, estão disponíveis em http://vestibular.unesp.br/.


*CAMILA DALLA POZZA PEREIRA é graduada e mestranda em Letras/Português pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente trabalha na área da Educação exercendo funções relacionadas ao ensino de Língua Portuguesa, Literatura e Redação. Foi corretora de redação em em importantes universidades públicas. Além disso, também participou de avaliações e produções de vários materiais didáticos, inclusive prestando serviço ao Ministério da Educação (MEC). **Camila também é colunista semanal sobre redação do infoEnem. Um orgulho para nosso portal e um presente para nossos milhares de leitores! Seus artigos serão publicados todas às quintas-feiras, não percam!

FONTE: http://www.infoenem.com.br/analise-de-tema-da-redacao-unesp-2015/

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Consciência Negra

Celebrado no dia 20 de novembro, o Dia da Consciência Negra é dedicado à reflexão sobre a importância da cultura e da história do negro no Brasil. Nesse dia, no ano de 1695, morreu Zumbi dos Palmares, símbolo da resistência à escravidão, que pagou com a própria vida o alto preço da liberdade.
Primeiras ideias
Em 2003, o Congresso Brasileiro aprovou uma lei federal criando o Dia da Consciência Negra. A mesma lei tornou obrigatório o estudo sobre a história e cultura afro-brasileiras nas escolas.
A data foi escolhida pelo Movimento Negro Brasileiro, por coincidir com o dia da morte de Zumbi dos Palmares, um dos mais conhecidos líderes da resistência negra no Quilombo dos Palmares, localizado na Serra da Barriga, atual estado de Alagoas. Foi nesse dia, no ano de 1695, que Zumbi dos Palmares foi traído e morto depois lutar uma vida pela liberdade.
Relembrar as características culturais dos afrodescendentes é uma forma de reconhecer a importância de sua presença na formação social e cultural do Brasil e, sobretudo, reconhecer o valor da conquista de sua liberdade a preço de sangue e luta.
 
Sobre Zumbi dos Palmares
Zumbi nasceu em Palmares. Com poucos dias de vida, foi sequestrado e entregue a um padre que o batizou com o nome de Francisco. Aos 15 anos, Francisco, que havia aprendido português e latim, fugiu e voltou para o quilombo, onde mudou seu nome para Zumbi, que significa “Senhor da Guerra”, “Fantasma Imortal” ou “Morto Vivo” no idioma africano banto. Daí em diante chefiou os negros nos combates contra bandeirantes e capangas dos fazendeiros que queriam escravizá-los novamente. Morreu aos 40 anos de idade.

Você sabia?

A palavra quilombo vem de kilombo, da língua quimbundo. Já era usada nas regiões de Congo e Angola, onde significava diversas formas de organização, como mercados e feiras, acampamentos guerreiros, vilas e povoados.
No Brasil, até final do século XIX, a palavra era usada para se referir aos agrupamentos formados por africanos e seus descendentes que resistiam à escravidão. Hoje, o termo tem uma forte ligação com a luta pela terra.
Segundo a Fundação Cultural Palmares <www.palmares.gov.br>, quilombolas são descendentes de africanos escravizados que mantêm tradições culturais, de subsistência e religiosas ao longo dos séculos. Um levantamento da Palmares mapeou 3 524 comunidades quilombolas no Brasil.
Kilombo, quilombo, quilombola. Disponível em: <http://www.disquequilombola.com.br/quilombola/origens/>. Acesso em: 22 out. 2014.
Refletindo sobre valores
Dê ênfase a valores como aceitação das diferenças, respeito, reconhecimento pela cultura do outro.
Atividade coletiva
Como atividade coletiva, sugerimos trabalhar um circuito que inclui uma história, um filme, um curta-metragem, uma brincadeira e uma música.
1. Comece a atividade pela história. Sugerimos para este momento três livros: Panquecas de Mama Panya, Um safári na Tanzânia e ABC do continente africano. Para qualquer livro de sua escolha proceda do mesmo modo:
 
a)   Antes da leitura, descubra o que os alunos sabem sobre o continente africano.
  • - Projete um mapa-múndi na parede e circule a região que pertence ao continente africano. Diga que esse continente é rico em cultura e diversidade.
  • - Conte aos alunos que, no início de nossa história, navios mercantes passavam pelo continente africano, sequestravam homens, mulheres e crianças de diversos países e os vendiam aqui no Brasil aos fazendeiros. Essas pessoas passavam a ser propriedade do fazendeiro, que tinha o direito de decidir sobre a vida de seus escravos.
  • - A casa da fazenda que servia de moradia para os escravos se chamava senzala. Foi dentro das senzalas que os africanos  cuidaram de preservar sua identidade, cultura e a grandeza de sua raça.
  • - Integrados à cultura brasileira, deram um aspecto afro para nosso modo de ser. Por isso, conhecer a cultura africana é conhecer também as raízes da cultura brasileira.
b)   Organize os alunos em roda e leia o livro de sua escolha, mostrando as ilustrações. Pergunte:
  • - Onde se passa a história?
  • - Que costumes a obra retrata?
  • c)   Entregue aos alunos uma folha de papel sulfite e peça a eles que dobrem a folha em quatro partes iguais. Depois, solicite que recontem a história em quatro partes, uma parte para cada dobra do papel.
2. Dando continuidade aos trabalhos com a cultura africana, faça a projeção do filme Kiriku e a Feiticeira. O filme, dirigido por Michel Ocelot, retrata uma lenda africana em que um recém-nascido superdotado, que sabe falar, andar e correr muito rápido, se incumbe de salvar sua aldeia de Karabá, uma feiticeira terrível.
a)   Depois de assistir ao filme, explore as relações de similaridade entre Kiriku e a Feiticeira e o livro lido anteriormente.
b)   Peça aos alunos que escrevam um comentário sobre o filme.
 
3. Na sequência, assista com os alunos ao curta-metragem Disque quilombola. Para ter acesso ao filme, contate <contato@disquequilombola.com.br>.
a) Depois de ver o curta, pergunte aos alunos sobre o significado do Disque Quilombola.
b)  Construa com eles um telefone de latinha semelhante ao usado pelas crianças quilombolas e… divirtam-se!
 
4. Para concluir o circuito de atividades, trabalhe a música África, do grupo Palavra Cantada. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=QjlmRDk9ktI>. Acesso em: 22 out. 2014.
 
Sistematizando
Organize a sala em grupos e peça aos alunos que pesquisem sobre a influência afro na cultura brasileira:
a)  na alimentação;
b)  na música;
c)  nas danças;
d)  no esporte;
e)  na língua;
f)  nos costumes.
No retorno da pesquisa, converse a respeito das curiosidades e descobertas. Em seguida, estenda um papel Kraft no chão e construa um painel coletivo. Inclua os dizeres: Aos afrodescendentes, nossa gratidão. Salve 20 de novembro. Salve o Dia da Consciência Negra. 
 
Saiba mais
Centro Afro Carioca de Cinema. Disponível em: <http://afrocariocadecinema.org.br/heranca-africana-reverencia-a-todos-os-africanos-que-por-ali-passaram/videos/>. Acesso em: 22 out. 2014.
 
Disque Quilombola. Disponível em: <http://www.disquequilombola.com.br/>. Acesso em: 22 out. 2014.
 
Especial: Dia da Consciência Negra. Disponível em: <http://arquivo.geledes.org.br/areas-de-atuacao/educacao/planos-de-aula/11850-especial-dia-da-consciencia-negra-112011>. Acesso em: 22 out. 2014.

Fonte: http://educavalores.edicoessm.com.br/2014/11/15/consciencia-negra/