terça-feira, 22 de setembro de 2015

Não me chame de mulata

 
Eu começo este cordel
Recorrendo ao dicionário
Pois o tal livro reflete
Um saber reacionário
Já que o significado
Do verbete ali mostrado
É antigo e ordinário.
Tomarei como um exemplo
A palavra de “mulata”
Revelada a sua origem
Que me fez estupefata
Pois compara com jumento
Com racista entendimento
A gente miscigenada.
Se você não conhecia
Eu lhe posso explicar
Que mulata se dizia
Com o fim de debochar
O termo pejorativo
Era depreciativo
Sem noção de respeitar.
É chamado de mulato
Aquele que é misturado
Um dos pais é de cor negra
Sendo o outro branqueado
Mas a miscigenação
No início da nação
Foi um mal desnaturado.
Nunca foi caso de amor
Como se pode alegar
Era caso de estupro
Que à negra ia abusar
O senhor da Casa Grande
Mui cruel e dominante
Pronto pra violentar.
E além dessa faceta
Existiu branqueamento
Como oficial medida
Para o tal clareamento
Com o fim de exterminar
De pra sempre eliminar
O negro do pensamento.
Essa torpe intenção
Que visava misturar
A cor negra e a branca
Até por fim conquistar
Um final clareamento
Jogando no esquecimento
A cor preta a incomodar.
É verdade que hoje em dia
No Brasil é proibido
O racismo já é crime
Mas não é nada escondido
Pois a imagem da mulata
Hoje ainda nos relata
Tal racismo aludido.
É possível ainda hoje
Um ditado se escutar
Se o pai é homem preto
E com branca se casar
Todos rezam pra nascer
Um bebê pra condizer
Que à mãe deve puxar.
Se tiver a pele clara
Mas cabelo encrespado
Sendo meio “moreninho”
E com nariz achatado
Vai sofrer com o racismo
Desse mundo de cinismo
Porcamente enquadrado.
E aí ninguém mais pensa
Que a mistura o clareou
Se o cabelo não é liso
Se o nariz não afilou
É tratado como preto
Com racismo obsoleto
Que jamais se acabou.
O problema, realmente
Na mistura não consiste
Mas é na mentalidade
Que o racismo ainda existe
Julgando que é um problema
E fazendo de um dilema
Essa cor que a pele exibe.
O problema é a tentativa
De impor branqueação
Destruindo a identidade
Para o povo da nação
Impedindo de enxergar
O racismo a clarear
Nessa padronização.
No passado se queria
O final da negritude
Que incomodava o branco
Por ter forte atitude
Pois a preta identidade
É dotada de verdade
De beleza e plenitude.
Os racistas do passado
Inda vivem no presente
Têm um discurso furado
Ensinado para a gente
De que negro não existe
E no termo vil insiste
Com postura insolente.
Vão chamando de mulato
Ou de pardo e bronzeado
Dizem que é cor de jambo
Tom moreno e amarronzado
Chama até de chocolate
Nesse torpe disparate
De racismo nomeado.
Só não chama pelo nome
Que lhe é fortalecido
Pois racista não tolera
O negro que é entendido
Que bem sabe de sua cor
E por ela tem amor
Com orgulho agradecido.
Quando digo que sou negra
Corre um monte pra falar
Que não sou suficiente
Para me identificar
Se não fosse irritante
Ia ser hilariante
Mas é de se preocupar.
Pois na hora do racismo
Quando querem desprezar
Todo o tipo de exclusão
Contra mim querem jogar
Já negaram até trabalho
Me queriam de cangalho
Para em mim poder pisar.
Mas a partir do momento
Que de tudo me toquei
Entendi o meu contexto
E enfim me empoderei
Tenho uma identidade
Forte essa integridade
E de negra me enxerguei.
Essa palavra “mulata”
Ela não me representa
Não sou cria de jumento
Nem de burro sou rebenta
Eu sou filha duma gente
Corajosa e imponente
Com história opulenta.
Não aceito essa carimbo
De “mulata” Globeleza
O meu corpo não é coisa
Pra racista nojenteza
Sei bem mais do que sambar
Pro machismo se acabar
Eu te passo essa certeza.
A beleza das pessoas
Está na diversidade
É por isso que acredito
Com muita sinceridade
Que ser negra é alegria
Com destreza e ousadia
É minha prioridade.
Não me chame de morena
Pois a minha aparência
Contém a ideologia
Da mais pura sapiência
É dotada de intenção
Com fim de libertação
Cheia de resiliência.
Eu mantenho sempre viva
Essa herança ancestral
Que por mim se perpetua
E que em mim é maioral
Negritude é baluarte
Resistente contraparte
Ao racismo imoral.
É por isso que eu exijo
O respeito que é devido
Que aceite a minha fala
E não venha de atrevido
Venha enfim compreender
Bem disposto para ver
O que tenho promovido.
Não me chame de mulata
Eu sou negra orgulhosa
Não me chame de morena
Eu sou preta vigorosa
Tenho garra pra lutar
Para a todos ensinar
Sempre bem esperançosa.
Essa minha identidade
Possui força exemplar
É firmada na coragem
De unir e conquistar
Resgatei minha raiz
E agora eu sou feliz
Pelo que posso contar.
FIM
Para encomendar o cordel “Não me chame de mulata” e conhecer outros títulos em Literatura de Cordel politicamente engajada, visite: www.jaridarraes.com/cordel
 
 
Sugestão: Professora Telma Rodrigues da Silva - Pedagoga -  CEMAP
Professor Antônio Faustino - História - CEMAP
 




domingo, 20 de setembro de 2015

Polícia prende mulher por duvidar que ela seja dona de BMW

Uma mulher negra foi mantida contra sua vontade em um hospital psiquiátrico (onde foi desnuda e sedada com remédios) por oito dias porque um policial não acreditou que a BMW que ela dirigia era de sua propriedade
Uma mulher negra está processando a cidade de Nova York, nos Estados Unidos, após ser vítima de preconceito. Kamilah Brock foi mantida oito dias em um hospital psiquiátrico depois que um policial não acreditou que o carro de luxo que ela dirigia era seu.
A banqueira de 32 anos foi abordada no bairro do Harlem no início deste ano. O policial, que não quis se identificar, questionou a mulher sobre o porquê de ela não estar com as mãos nos volante de sua BMW. As informações são do Huffington Post
Em resposta, ela justificou que ouvia música enquanto o veículo estava parado em um sinal vermelho. Mesmo assim, Kamilah foi levada à uma delegacia, onde ficou horas detida sem ser acusada de qualquer crime.
Em seguida, a banqueira foi transferida para a ala psiquiátrica de um hospital na região contra sua vontade, onde foi desnuda e sedada com remédios. Os médicos diziam que ela sofria de Transtorno Bipolar por afirmar constantemente que o carro era dela e que trabalhava em um banco.


Segundo seu advogado, Kamilah não mentiu em nenhum momento e disse não ter sido ouvida por ninguém por ser negra. “Senti como se eu tivesse em um pesadelo. Eu não entendia por que aquilo estava acontecendo comigo”, afirmou Kamilah em entrevista ao canal PIX 11.

Fonte: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/09/policia-prende-mulher-por-duvidar-que-ela-seja-dona-de-bmw.html

Heroínas negras na história do Brasil

Por Jarid Arraes
Conheça o livro “As Lendas de Dandara”: www.aslendasdedandara.com.br

Na história do Brasil, conta-se muito pouco a respeito das mulheres negras. Na escola, são pouquíssimas as aulas que citem as grandes guerreiras e líderes quilombolas, ou que simplesmente mencionem a existência das mulheres negras para além da escravidão. Em um país em que a escravidão não é retratada como uma vergonha para a nação -  pelo contrário, ainda se insiste que a população negra não lutou contra esse quadro -, isso não é nenhuma surpresa.
Nós, brasileiros, passamos vários anos na escola aprendendo sobre todos os detalhes das vidas de Dom Pedro I e II, seus familiares, seus casos sexuais e viagens. Na televisão, os imperadores viram protagonistas de minisséries, enquanto os atores e atrizes negros são reduzidos a papéis de escravos sem profundidade. Grandes lutadores como Zumbi dos Palmares, Dragão do Mar e José Luiz Napoleão, são pouco mencionados. Aliás, eles são lembrados apenas no mês de novembro, em razão do Dia da Consciência Negra; mas as mulheres negras, que contribuíram de tantas formas na luta contra a escravidão e nas conquistas sociais do Brasil, nem sequer são mencionadas.
Cordel sobre Dandara dos Palmares, líder quilombola e companheira de Zumbi.
Cordel sobre Dandara dos Palmares, líder quilombola e companheira de Zumbi.
O esquecimento das mulheres negras na história é algo que contribui para a vilipendiação da população negra. Por conta disso, as garotas negras crescem achando que não há boas referências intelectuais e de resistência nas quais possam se espelhar. Para descobrir seus referenciais, é preciso que se mergulhe em uma pesquisa individual, muitas vezes solitária, juntando peças de um enorme quebra-cabeça para no fim descobrir que pouquíssimo foi registrado a respeito de mulheres como Dandara dos Palmares ou Tereza de Benguela – importantes líderes quilombolas.
Devido ao machismo, é muito difícil encontrar registros da história das mulheres, especialmente aqueles que sejam contados de forma aprofundada e responsável. Ainda hoje, poucas mulheres, mesmo entre as brancas ou europeias, são citadas e celebradas por suas conquistas. No entanto, quando essas mulheres são negras, a negligência é ainda maior. Em um país onde mais de 50% da população é negra, a situação desse quadro é absurda.
Mesmo com os esforços racistas para apagar a história das mulheres negras, racismo nenhum será capaz de enterrar a memória de ícones como Luísa Mahin e Tia Simoa. Mulheres negras inteligentes, com grande capacidade estratégica, imensa coragem e ímpeto de transformação, que jamais se conformaram ou se dobraram diante do racismo e da misoginia; pelo contrário, lutaram e deram suas vidas para que mulheres negras como eu pudessem viver em liberdade e escrever, ocupando espaços que, ainda hoje, nos são de difícil acesso.
Infelizmente, tive que descobrir essas guerreiras por conta própria, contando com a ajuda de outras mulheres negras, companheiras de luta, que me apresentaram textos e materiais onde suas vidas foram contadas, ainda que brevemente. Por isso, decidi utilizar minha produção literária, meus cordéis, para contar as histórias dessas mulheres e fazer com que mais pessoas tomassem conhecimento de suas batalhas e do quanto são importantes para a história do Brasil. Até o momento, tenho vários cordéis biográficos que contam as trajetórias de Aqualtune e Carolina Maria de Jesus, além de outras já citadas nesse texto.
Nosso papel é fazer com que essas mulheres negras sejam conhecidas e seus feitos sejam estudados. Seja por meio do cordel, das redes sociais ou de trabalhos acadêmicos, precisamos registrar e divulgar essas memórias. Com elas, provamos que a população negra sempre lutou por seus direitos, provamos que as mulheres negras sempre foram protagonistas dos movimentos negro e de mulheres e que nunca se omitiram ou saíram das trincheiras. Afinal, essas mulheres são espelhos e exemplos do que todas as meninas e jovens negras podem ser.

- Para conhecer meus cordéis biográficos e feministas, visite: www.jaridarraes.com/cordel
Leia outros cordéis gratuitos na Fórum:
Cordel – Aborto
Cordel – Não me chame de mulata
Cordel – Chica gosta é de mulher
Cordel – Não tem maior fuleragem que mané conservador

Fonte: http://www.revistaforum.com.br/questaodegenero/2015/04/17/heroinas-negras-na-historia-brasil/

Sugestão: Professora Telma da Silva Rodrigues - Pedagoga - CEMAP