domingo, 10 de novembro de 2013

A incrível carta de um ex-escravo americano para seu ex-escravizador

Em agosto de 1865, um certo Coronel P. H. Anderson, de Big Spring, Tennessee, escreveu a seu ex-escravo, Jourdon Anderson, e requisitou que o mesmo voltasse a trabalhar em sua fazenda. Jourdon – que após ter sido alforriado tinha se mudado para Ohio, encontrado trabalho pago e agora estava sustentando sua família – respondeu espetacularmente através da carta abaixo, traduzida do Letters of Note.
  
Dayton, Ohio 
07 de agosto de 1865 
Ao meu antigo senhor, Coronel P. H. Anderson, Big Spring, Tennessee
Senhor: eu recebi sua carta, e fiquei feliz por saber que o senhor não esqueceu Jourdon, e que me quer de volta para viver com você novamente, prometendo me tratar melhor do que qualquer outra pessoa pode. Eu sempre me senti preocupado com você. Achei que os ianques teriam te enforcado há bastante tempo, por esconder os rebeldes que foram encontrados em sua casa. Suponho que eles nunca souberam que você foi à casa do Coronel Martin para matar o soldado da União que foi deixado por sua Companhia no estábulo. Apesar de você ter atirado em mim duas vezes antes de eu te deixar, eu não queria ouvir sobre você ter sido machucado, e estou feliz por saber que você ainda está vivo. Me faria bem voltar para a velha casa novamente, e ver a Senhora Mary e as Senhoritas Martha e Allen, Esther, Green e Lee. Mande o meu amor a todos, e diga a eles que eu espero que nos encontremos num mundo melhor, se não nos encontrarmos nesse. Eu teria voltado para vê-los todos quando estava trabalhando no Hospital de Nashville, mas um dos vizinhos me disse que Henry pretendia atirar em mim se ele algum dia tivesse uma chance.
Eu queria particularmente saber qual é a boa oportunidade que você propõe me dar. Eu estou indo razoavelmente bem aqui. Ganho 25 dólares por mês, mais provisões e roupas; tenho uma casa confortável para Mandy, – o pessoal aqui a chama de Senhora Anderson, – e as crianças – Milly, Jane e Grundy – vão à escola e estão aprendendo bem. O professor diz que Grundy tem vocação para pastor. Eles vão à escola dominical, e Mandy e eu estamos indo à igreja regularmente. Nós somos tratados gentilmente. Algumas vezes, nós ouvimos os outros dizendo, “Essas pessoas de cor eram escravos lá no Tennesse”. As crianças ficam sentidas quando escutam tal coisa; mas eu digo a eles que não foi nenhuma desgraça pertencer ao Coronel Anderson no Tennessee. Muitos crioulos aqui ficariam orgulhosos, como eu era, de chamá-lo mestre. Agora, se você escrever e disser qual salário vai me dar, eu poderei decidir melhor se será vantajoso para mim me mudar de volta.
Sobre a minha liberdade, que você diz que eu posso ter, não há nada a ser ganho nisso, já que eu ganhei meus papéis de alforria em 1864 do General Marechal do Departamento de Nashville. Mandy diz que ela tem medo de voltar sem prova de que você está disposto a nos tratar justa e gentilmente; e nós achamos que devemos testar a sua sinceridade pedindo-lhe que nos envie os nossos salários do tempo em que lhe servimos. Isso nos fará esquecer e perdoar velhas mágoas, e confiar na sua justiça e amizade no futuro. Eu lhe servi fielmente por 32 anos, e Mandy por 20 anos. A 25 dólares por mês para mim, e 2 dólares por semana para Mandy, nossos ganhos somam 11.680 dólares. Some a isso os juros pelo tempo que nossos salários foram retidos, e deduza o que você pagou por nossas roupas, as três visitas que o médico fez a mim, e o dente extraído da Mandy, e o balanço mostrará que é justo para nós recebermos. Por favor, mande o dinheiro pelo Adam Express, aos cuidados de V. Winters, Esq., Dayton, Ohio. Se você falhar em nos pagar pelos nossos serviços leais do passado, nós só poderemos ter pouca fé em suas promessas para o futuro. Nós confiamos que o Criador tenha aberto seus olhos para todo o mal que você e seus pais fizeram a mim e aos meus pais, ao nos tratar como animais de carga por gerações, sem recompensa. Aqui eu recebo o meu salário a cada noite de sábado; mas no Tennessee nunca houve dia de pagamento para os negros, não mais que para os cavalos e as vacas. Certamente haverá um dia de acerto de contas para aqueles que negam ao trabalhador o seu pagamento.
 Ao responder essa carta, por favor diga se haverá alguma segurança para Milly e Jane, que estão crescidas agora, e são ambas belas meninas. Você sabe como foi com a pobre Matilda e Catherine. Eu prefiro ficar aqui e passar fome – e morrer, se preciso – do que ter minhas meninas abusadas pela violência e safadeza de seus jovens mestres. Por favor, indique também se foi aberta alguma escola para pessoas de cor em sua vizinhança. O grande desejo da minha vida agora é dar às minhas crianças uma educação, e vê-las criar hábitos virtuosos.
Diga “olá” ao George Carter, e agradeça a ele por tomar a pistola da sua mão quando você estava atirando em mim.
Do seu antigo servo,
Jourdon Anderson.
Fonte: http://www.editoracontexto.com.br/blog/a-incrivel-carta-de-um-ex-escravo-americano-para-seu-ex-escravizador/

Sugestão: Professor Romeu Vieira

4 comentários:

  1. Sinto-me emocionado lendo esta carta, pois me lembra um pouco da história dos meus bisavós e avós que não puderam escrever, mais deixaram os contos das rodas de conversa. Quanta tristeza!

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    1. Fernando, é triste mesmo. Uma coisa boa que admiro, nosso povo era bom de conversa... de contar "causos"!!!

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  2. Emocionante história, mas penso que nem os animais devem ser maltratados! Somos todos seres viventes e devemos respeitar a vida acima de tudo. Racismo é coisa de seres humanos ignorantes.

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    1. Oi, Anunciata! Muito pertinente sua postagem sobre a vida, ela é um presente e cabe ao ser humano, no mínimo, o zelo. E o excesso de ignorância é falta de busca de conhecimento, nada mais. Obrigada! Beijos,

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