"A idéia
das cotas reforça conceitos nefastos:
o de que negros são menos capazes e precisam
de um empurrão e o de que a escola pública é
péssima e não tem salvação"
o de que negros são menos capazes e precisam
de um empurrão e o de que a escola pública é
péssima e não tem salvação"
O medo do diferente
causa conflitos por toda parte, em circunstâncias as mais
variadas. Alguns são embates espantosos, outros são
mal-entendidos sutis, mas em tudo existe sofrimento, maldade
explícita ou silenciosa perfídia, mágoa,
frustração e injustiça.
Cresci numa cidadezinha onde as pessoas (as famílias,
sobretudo) se dividiam entre católicos e protestantes.
Muita dor nasceu disso. Casamentos foram proibidos, convívios
prejudicados, vidas podadas. Hoje, essa diferença nem
entra em cogitação quando se formam pares amorosos
ou círculos de amigos. Mas, como o mundo anda em círculos
ou elipses, neste momento, neste nosso país, muito se
fala em uma questão que estimula tristemente a diferença
racial e social: as cotas de ingresso em universidades para
estudantes negros e/ou saídos de escolas públicas.
O tema libera muita verborragia populista e burra, produz frustração
e hostilidade. Instiga o preconceito racial e social. Todas
as "bondades" dirigidas aos integrantes de alguma
minoria, seja de gênero, raça ou condição
social, realçam o fato de que eles estão em desvantagem,
precisam desse destaque especial porque, devido a algum fator
que pode ser de raça, gênero, escolaridade ou outros,
não estão no desejado patamar de autonomia e valorização.
Que pena.
Nas universidades
inicia-se a batalha pelas cotas. Alunos que se saíram
bem no vestibular – só quem já teve filhos
e netos nessa situação conhece o sacrifício,
a disciplina, o estudo e os gastos implicados nisso – são
rejeitados em troca de quem se saiu menos bem mas é de
origem africana ou vem de escola pública. E os outros?
Os pobres brancos, os remediados de origem portuguesa, italiana,
polonesa, alemã, ou o que for, cujos pais lutaram duramente
para lhes dar casa, saúde, educação?
A idéia das
cotas reforça dois conceitos nefastos: o de que negros
são menos capazes, e por isso precisam desse empurrão,
e o de que a escola pública é péssima e
não tem salvação. É uma idéia
esquisita, mal pensada e mal executada. Teremos agora famílias
brancas e pobres para as quais perderá o sentido lutar
para que seus filhos tenham boa escolaridade e consigam entrar
numa universidade, porque o lugar deles será concedido
a outro. Mais uma vez, relega-se o estudo a qualquer coisa de
menor importância.
Lembro-me da fase,
há talvez vinte anos ou mais, em que filhos de agricultores
que quisessem entrar nas faculdades de agronomia (e veterinária?)
ali chegavam através de cotas, pela chamada "lei
do boi". Constatou-se, porém, que verdadeiros filhos
de agricultores eram em número reduzido. Os beneficiados
eram em geral filhos de pais ricos, donos de algum sítio
próximo, que com esse recurso acabaram ocupando o lugar
de alunos que mereciam, pelo esforço, aplicação,
estudo e nota, aquela oportunidade. Muita injustiça assim
se cometeu, até que os pais, entrando na Justiça,
conseguiram por liminares que seus filhos recebessem o lugar
que lhes era devido por direito. Finalmente a lei do boi foi
para o brejo.
Nem todos os envolvidos
nessa nova lei discriminatória e injusta são responsáveis
por esse desmando. Os alunos beneficiados têm todo o direito
de reivindicar uma possibilidade que se lhes oferece. Mas o
triste é serem massa de manobra para um populismo interesseiro,
vítimas de desinformação e de uma visão
estreita, que os deixa em má posição. Não
entram na universidade por mérito pessoal e pelo apoio
da família, mas pelo que o governo, melancolicamente,
considera deficiência: a raça ou a escola de onde
vieram – esta, aliás, oferecida pelo próprio
governo.
Lamento essa trapalhada
que prejudica a todos: os que são oficialmente considerados
menos capacitados, e por isso recebem o pirulito do favorecimento,
e os que ficam chupando o dedo da frustração,
não importando os anos de estudo, a batalha dos pais
e seu mérito pessoal. Meus pêsames, mais uma vez,
à educação brasileira.
Fonte: http://veja.abril.com.br/060208/ponto_de_vista.shtml
Nenhum comentário:
Postar um comentário