Das
profundezas
Pesadelo...
Ouve se os
gritos, prantos, desespero,
Lágrimas, pela
face de ébano a rolar.
O tumbeiro se
afasta da costa, singrando o alto-mar.
Deixo para trás,
clã, tradição,
em troca
receberei açoites e humilhação.
Não escolhi
partir, estou sendo seqüestrado.
Vejo ao meu lado
minha mulher e filhos,
todos como eu
também acorrentados.
No fétido ventre
da morte, me bate um desespero,
a cada dia morre
mais um irmão guerreiro.
Elevo ao Grande
Espírito, em silêncio uma oração.
Pedindo a Ele a
mercê de morrer com meus irmãos.
Porém, ao meu
pedido o Criador disse não.
Depois de meses
no mar, o tumbeiro um porto atingiu,
chegamos
finalmente a um País por nome Brasil
Do ventre da
morte, os sobreviventes são tirados.
Famílias
separadas, destinos ignorados.
Rompem-se, com
isso laços, sonhos, tradição.
Vendidos como
peças, cada um foi para um lado,
trabalhos na
cana, nas minas, no café,
nosso sangue e
suor mantém este país em pé.
Castigo,
humilhação constante, vivendo das sobras,
Contra tantas
injustiça resolvo me rebelar,
prefiro morrer
tentando ser livre,
do que
passivamente aceitar.
Num anseio por
liberdade, me embrenho na densa mata,
Porém, fraco,
ferido e faminto, logo sou por cães acossado.
E noite de lua
cheia, uma roda se forma então.
Não é de festa
de cantiga, mas sim de punição.
Assim como vim ao
mundo, ao tronco sou atado.
Com a diferença
que nasci livre, e hoje estou escravizado.
A sentença ouço
do patrão, que avisa a quem ousar tentar,
fugir sonhando
ser livre, qual preço ira pagar.
Preso ao
pelourinho, em meio ao banzo, e às tristes canções,
o chicote do
feitor dilacera meu corpo. Deixando macerações.
A cada toque na
pele, rouba-me o sangue, arrancando do meu peito um grito.
Porém,
prenderam-me o corpo, mas livre está meu espírito.
Encontro-me na
fronteira entre a vida e a morte.
Em meio ao
delírio e dores lancinantes, contemplo entre meus antepassados,
Esposa e filhos,
que no mar morrerãm primeiro,
ela, que no
ventre dos filhos trazia o terceiro.
O do meio, e o
mais velho, do meu trono na África herdeiro.
Porém, a insana
escravidão veio seu destino mudar, pois,
no trono de meus
ancestrais, jamais irá sentar.
Vitimas do
ignominioso tráfico de vidas humanas,
destinados ao
Brasil, escravos na cultura de café e cana.
Pereceram diante
da violência, e cruenta humilhação.
no ventre do
maldito e sombrio tumbeiro.
Que transportando
gente rendia aos brancos muito dinheiro.
Perdi mulher e
filhos, e também bravos guerreiros.
Pois, a dureza da
travessia não puderam suportar.
Como lápide para
seus corpos, serviram as profundezas do mar.
Porém, apesar da
saudade ser grande, esse reencontro, decido adiar.
Pois, por mais
que a vida seja dura, em nome dos vivos preciso lutar.
É que o sonho de
ser livre acalenta minha alma,
por isso essa
fronteira me recuso por hora atravessar.
Trinta e oito...
Trinta e nove...
chega, grita o patrão.
Que isso sirva de
alerta, pra todo negro fujão.
Deixe o passar a
noite, preso ao relento,
que o frio da
madrugada seja ungüento para seus ferimentos.
A noite de luar,
me traz nostalgia e indagações
Açoites,
humilhações, saudade do lar...
Criador, o que
fiz eu? Porque tantas humilhações?
Da liberdade para
o tumbeiro,
Do tumbeiro para
a senzala,
Da senzala para o
pelourinho,
Perdi pátria,
dignidade e família.
Trabalho dia e
noite, para um povo que só me humilha.
Por causa da cor
da pele, sou como animal tratado.
Responda-me
Senhor qual foi o meu pecado?
Dizem, que vim do
continente maldito, e sem alma fui criado,
o cristão
explica que sou, um infeliz descendente de cão,
criado para ser
dominado, para se cumprir a maldição.
Outro branco
letrado, amigo da sabedoria,
explica da mesma
forma essa cruel vilania.
Sou de raça
inferior, diz o sábio pensador,
E que tal ordem
estabelecida, ninguém pode questionar,
pois, alguns
nasceram dominados, e outros para dominar.
O batismo dos
civilizados, me impuseram então, contudo
não consigo
entender tal religião,
que permite que
um homem tenha como propriedade seu irmão.
Pois mesmo sendo
batizado, assim como meu sinhô, também é,
sacramento que
nos fez irmãos, seguidores da mesma fé.
Oramos ao mesmo
Deus, somos filhos do mesmo Pai.
Para ele ficou as
bênçãos, para mim gemidos, dores e ais.
Mesmo sem saber
orar, pergunto ao Deus do céu.
Que pecado cometi
eu, para merecer destino tão amargo como fel.
Uma voz no meu
interior, me diz, filho, o pecado não é teu não.
E sim daqueles,
que deveriam em meu nome pregar o amor
Mas, se perdendo
e em seus vãos raciocínios, semearam
segregação,
intolerância e dor, e em nome do materialismo,
Trocaram a
verdade pela mentira, da vida julgaram-se senhores.
Distorceram minha
Palavra, e numa ignomínia tal
Escravizaram seus
semelhantes, como se de mim tivessem aval.
Em nome do
dinheiro e poder,
a seres humanos
escravizam, matam e deixam à míngua morrer.
Baseados na
clareza de sua pele, se declarando superiores, sábios e forte,
impondo aos que
julgam inferiores, dores, humilhação e morte.
Porém, saiba que
sou contigo, não te abandonei à própria sorte
O povo negro
ainda se levantará como gigantes nessa nação.
Porém, não será
sem luta, lágrimas e traição.
Por Mim mesmo
juro Eu, que zelo pela justiça e o direito, para que se cumpra
Eu, de cuja boca
não procede palavras infrutíferas e vazia
que toda
injustiça praticada, desde quando da África, fostes arrancados.
Bem como o sangue
de todo negro injustamente derramado nos canaviais,
minas, casas
grandes, pelourinhos eitos e cafezais, somados ao pranto e gemidos de
dor,
Arrancados pelo
chicote do senhor e do feitor,
Subiram até
minha presença, trazendo o mesmo clamor por justiça
de quando o
sangue de Abel minha testemunha no inicio foi derramado.
Pr. José do
Carmo da Silva (Zé do Egito)
Igreja Metodista
em Fátima do Sul - MS.
Real
libertação
O Sonho de ser
novamente, livre como na África nasci,
acalenta-me a
esperança, me levando a resistir.
As revoltas, a
capoeira, as fugas, os quilombos,
Zumbi e o sonho
de Palmares.
Depois de muitas
lutas, sangue dos dois lados derramados
Cotegipe,
sexagenário, ventre livre,
lutas de brancos
e negros abolicionistas.
Por interesse da
Coroa inglesa, por gesto final de uma princesa,
uma assinatura
parecia fim ao pesadelo ter colocado.
Porém,
infelizmente foi uma decepção.
Pois, não existe
plena liberdade, sem justiça e reparação.
118 anos se vai,
desde a pseudo libertação.
Olhando ao
derredor, é fácil a triste constatação,
que o sol da
liberdade não raiou por inteiro,
no horizonte,
ainda sofrido do afro-brasileiro.
Cessaram-se os
castigos, mas, permanece a humilhação,
pois, do trabalho
exercido o negro, não recebeu seu quinhão.
O preconceito
racial, aliado ao estigma da escravidão,
fizeram-nos
párias, invisíveis nessa nação.
Na qual depois
que fizemos o bolo, com nossas lágrimas, suor e sangue misturados.
Não nos vem à
justa fatia nas mãos
Simplesmente
fomos a própria sorte abandonados.
Das senzalas para
as favelas..
Vivendo de
subemprego, na luta pelo pão,
variando entre
pedreiro, e catador de papelão.
Porteiro de
hotel, ou vigia da mansão.
Cortador de cana,
carvoeiro, bóia fria.
Doméstica,
cozinheira, arrumadeira, passadeira
As mesmas funções
que na casa grande exercia.
A única
diferença, tendo como paga uma ninharia,
inferior ao ganho
dos brancos, pela mesma função e número de dias.
A acessão poderá
ser fácil, se o negro tiver algum talento,
nos campos de
futebol, ou na indústria do entretenimento.
Medidas
paliativas, que não curam de todo o mal,
pois, somente o
acesso à universidade,
porá fim a esse
fosso social.
Algumas coisas
tem mudado.
Isso não podemos
negar.
Porém, é muito
pouco, não podemos nos calar.
Pois, o sol
nasceu para todos, e dele queremos desfrutar.
Assim como a
sombra digna de uma casa para morar.
Ensino
fundamental de qualidade,
Ensino médio e
faculdade
Emprego, justiça,
plena cidadania.
Dignidade e
respeito, seja no centro ou na periferia
Ao ler essas
estrofes, desta triste mais verdadeira poesia,
você pode me
dizer que o supracitado é sonho, quimera, utopia
Que por isso tudo
anela o branco, e não tem no seu dia a dia.
Que, quem pensa
ser o negro? E porque isso teria?
Tendenciosa ou
honestamente, podes tu ainda argumentar.
Que negros são
discriminados, por serem pobres e não pela cor.
Que o negro não
e discriminado, mas sim discriminador.
Eu respondo sem
titubeio, que são pelas duas condições.
Pois pobreza
nesse País tem cor, e só prestar atenção.
A cada dez
pobres, seis são negros meu irmão.
Quanto ao sonho,
em parte vou de você discordar,
Pois, a vida
perde o sentido, quando se deixa de sonhar.
Creio que nossos
sonhos são na verdade,
reflexos de
direitos a nós negados no passado.
Manifestando-se
no presente, com força para mudar nosso futuro.
Porém, os sonhos
não se realizam na vida de quem fica sobre o muro.
E quando nós
negros voltamos ao passado, dando livre curso ao subconsciente.
De lá, então os
sonhos afloram, renovando a esperança da gente.
Porém, os olhos
da realidade jamais podemos tirar,
para não sermos
alienados, convém uma coisa lembrar.
Que se o sonho,
se sonhar só, simplesmente será sonhar,
mas, se o sonho,
que se sonha, for sonhado em grupo,
E tal grupo de
oprimido nele realmente acreditar,
A ponto de por
ele se sacrificar, sofrer perseguições e em Deus força buscar.
É sonho que
ninguém nesse mundo impedirá de se concretizar
Há 118 anos, o
povo negro tem sonhado com uma justa participação,
em todas as áreas
importantes dessa nação.
É, preciso
sonhar o sonho, que Luther King sonhou,
e pelo qual Zumbi
dos Palmares, e outros negros e brancos lutou.
É urgente abrir
a boca, e a falsa democracia racial denunciar,
pois, para que a
injustiça se perpetue, basta o oprimido se calar.
E o silencio
nasce, quando a esperança morre, e se deixa de sonhar.
Irmãos negros
levantemos a cabeça, e reescrevamos nossa história
Usando como
tintas, o diálogo, a fé e a razão.
Pois, somente
assim brilhará do Sol a clara luz
Trazendo a vida
plena a todas as etnias, pelas quais morreu Jesus.
E aos brados de
Vassum Crisso, Vassum Crisso, a justiça e a paz se abraçarão.
Pr. José do
Carmo da Silva (Zé do Egito)
Igreja Metodista
em Fátima do Sul - MS.
Fonte: http://www.metodista.org.br/consciencia-negra-poesia-pr-jose-do-egito
Quanta informação contida nestas belas poesias.
ResponderExcluirO escritor fala da necessidade de reescrever a história de um povo que por muito tempo foi escravizado e humilhado e eu acredito que a escola tem um papel fundamental nesse difícil mas possível processo.
Olá, Eliane! É muito bom ler seus comentários, sua criticidade nos leva a prosseguir. Gosto bastante do Pr. Zé do Egito, ele é uma pessoa fantástica e Deus lhe dá autoridade para denunciar tantas mazelas sociais. Estamos enfrentando algumas dificuldades com o nosso trabalho, porém, como você pontuou, é possível.Obrigaa! Beijos,
ResponderExcluirConcordo com a Prof. Eliane quanta informação e também quanta denúncia e desabafo!
ResponderExcluirPenso que, para muitos afro-brasileiros, as marcas do horror da escravidão que nossos ancestrais sofreram, são semelhantes às marcas deixadas pelo bullying sofrido na infância, por mais que se tente esquecê-las as "cicatrizes" estão lá, no coração, talvez na alma. Mas é preciso mesmo lutar contra isso, pois somos todos irmãos, porém quando as marcas são muito profundas só mesmo buscando em Jesus "o Senhor de todas as etnias"