sábado, 30 de novembro de 2013

PERIGO! Conselho Nacional de Educação CENSURA Lobato!

 


Quem paga a música escolhe a dança?

Marisa Lajolo*


“Caçadas de Pedrinho”, de Monteiro Lobato, está em pauta e é bom que esteja, pois é um livro maravilhoso.

Narra as aventuras da turma do sítio de Dona Benta primeiro às voltas com a bicharada da floresta próxima e, depois, com uma comissão do governo encarregada de caçar um rinoceronte fugido de um circo. Nos dois episódios prevalecem o respeito ao leitor, a visão crítica da realidade, o humor fino e inteligente.

Na primeira narrativa, a da caçada da onça, as armas das crianças são improvisadas e na hora agá não funcionam. É apenas graças à esperteza e inventividade dos meninos que eles conseguem matar a onça e arrastá-la até a casa do sítio. A morte da onça provoca revolta nos bichos da floresta e eles planejam vingança numa assembleia muito divertida: felinos ferozes invadem o sítio e – de novo – é apenas graças à inventividade e esperteza das crianças (particularmente de Emília) que as pessoas escapam de virar comida de onça.

Na segunda narrativa, a fuga de um rinoceronte de um circo e seu refúgio no sítio de dona Benta leva para lá a Comissão que o governo encarregou de lidar com a questão. Os moradores do sítio desmascaram a corrupção e o corpo mole da comissão, aliam-se ao animal cioso da liberdade conquistada e espantam seus proprietários. E, batizado Quindim, o rinoceronte fica para sempre incorporado às aventuras dos picapauzinhos.

Estas histórias constituem o enredo do livro que parecer recente do Conselho Nacional de Educação (CNE), a partir de denúncia recebida, quer proibir de integrar acervos com os quais programas governamentais compram livros para bibliotecas escolares . O CNE acredita que o livro veicula conteúdo racista e preconceituoso e que os professores não têm competência para lidar com tais questões. Os argumentos que fundamentam as acusações de racismo e preconceito são expressões pelas quais Tia Nastácia é referida no livro, bem como a menção à África como lugar de origem de animais ferozes.

Sabe-se hoje que diferentes leitores interpretam um mesmo texto de maneiras diferentes. Uns podem morrer de medo de uma cena que outros acham engraçada. Alguns podem sentir-se profundamente tocados por passagens que deixam outros impassíveis. Para ficar num exemplo brasileiro já clássico, uns acham que Capitu (D. Casmurro, Machado de Assis) traiu mesmo o marido, e outros acham que não traiu, que o adultério foi fruto da mente de Bentinho. Outros ainda acham que Bentinho é que namorou Escobar ... !

É um grande avanço nos estudos literários esta noção mais aberta do que se passa na cabeça do leitor quando seus olhos estão num livro. Ela se fundamenta no pressuposto segundo o qual, dependendo da vida que teve e que tem, daquilo em que acredita ou desacredita, da situação na qual lê o que lê, cada um entende uma história de um jeito. Mas essa liberdade do leitor vive sofrendo atropelamentos. De vez em quando, educadores de todas as instâncias – da sala de aula ao Ministério de Educação – manifestam desconfiança da capacidade de os leitores se posicionarem de forma correta face ao que lêem.

Infelizmente, estamos vivendo um desses momentos.

Como os antigos diziam que quem paga a música escolhe a dança, talvez se acredite hoje ser correto que quem paga o livro escolha a leitura que dele se vai fazer. A situação atual tem sua (triste) caricatura no lobo de Chapeuzinho Vermelho que não é mais abatido pelos caçadores, e pela dona Chica-ca que não mais atira um pau no gato-to. Muda-se o final da história e re-escreve-se a letra da música porque se acredita que leitores e ouvintes sairão dos livros e das canções abatendo lobos e caindo de pau em bichanos. Trata-se de uma ideia pobre, precária e incorreta que além de considerar as crianças como tontas, desconsidera a função simbólica da cultura. Para ficar em um exemplo clássico, a psicanálise e os estudos literários ensinam que a madrasta malvada de contos de fada não desenvolve hostilidade contra a nova mulher do papai, mas – ao contrário – pode ajudar a criança a não se sentir muito culpada nos momentos em que odeia a mamãe, verdadeira ou adotiva...

Não deixa de ser curioso notar que esta pasteurização pretendida para os livros infantis e juvenis coincide com o lamento geral – de novo, da sala de aula ao Ministério da Educação – pela precariedade da leitura praticada na sociedade brasileira. Mas, como quem tem caneta de assinar cheques e de encaminhar leis tem o poder de veto, ao invés de refletir e discutir, a autoridade veta. E veta porque, no melhor dos casos e muitas vezes com a melhor das intenções, estende suas reações a certos livros a um numeroso e anônimo universo de leitores.

No caso deste veto a “Caçadas de Pedrinho”, a Conselheira Relatora Nilma Lino Gomes acolhe denúncia de Antonio Gomes da Costa Neto que entende como manifestação de preconceito e intolerância "de maneira mais específica a personagem feminina e negra Tia Anastácia e as referências aos personagens animais tais como urubu, macaco e feras africanas; (...) aponta menção revestida de estereotipia ao negro e ao universo africano, que se repete em vários trechos do livro analisado e exige da editora responsável pela publicação a inserção no texto de apresentação de uma nota explicativa e de esclarecimentos ao leitor sobre os estudos atuais e críticos que discutam a presença de estereótipos na literatura".

Independentemente do imenso equívoco em que, de meu ponto de vista, incorrem o denunciante e o CNE que aprova por unanimidade o parecer da relatora, o episódio torna-se assustador pelo que endossa, anuncia e recomenda de patrulhamento da leitura na escola brasileira. A nota exigida transforma livros em produtos de botica, que devem circular acompanhados de bula com instruções de uso.

O que a nota exigida deve explicar? o que significa esclarecer ao leitor sobre os estudos atuais e críticos que discutam a presença de estereótipos na literatura? A quem deve a editora encomendar a nota explicativa? Qual seria o conteúdo da nota solicitada? A nota deve fazer uma autocrítica (autoral, editorial?) assumindo que o livro contém estereótipos? A nota deve informar ao leitor que “Caçadas de Pedrinho” é um livro racista? Quem decidirá se a nota explicativa cumpre efetivamente o esclarecimento exigido pelo MEC?

As questões poderiam se multiplicar. Mas não vale a pena. O panorama que a multiplicação das questões delineia é por demais sinistro. Como fecho destas melancólicas linhas maltraçadas aponte-se que qualquer nota no sentido solicitado – independente da denominação que venha a receber, do estilo em que seja redigida, e da autoria que assumir – será um desastre. Dará sinal verde para uma literatura autoritariamente auto-amordaçada. E este “modelito” da mordaça de agora talvez seja mais pernicioso do que a ostensiva queima de livros em praça pública, número medonho mas que de vez em quando entra em cartaz na história desta nossa Pátria amada idolatrada salve salve. E salve-se quem puder ... pois desta vez a censura não quer determinar apenas o que se pode ou não se pode ler, mas é mais sutil, determinando como se deve ler o que se lê!

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* Prof. Titular (aposentada) da UNICAMP; Prof. da Universidade Presbiteriana Mackenzie; Pequisadora Senior do CNPq.; Organizadora ( com João Luís Ceccantini) do livro Monteiro Lobato livro a livro (obra infantil), obra que recebeu o Prêmio Jabuti 2010 como melhor livro de Não Ficção.

 

 

A defesa de Lobato contra o parecer do CNE

Há algumas postagens atrás publicamos um texto de Marisa Lajolo criticando o parecer do Conselho Nacional de Educação vetando Caçadas de Pedrinho nas escolas brasileiras. Publicamos agora uma bem humorada resposta à prática do "politicamente correto" feita (acreditem!) pelo autor, lá do além, após muito ter se revirado na tumba...


REINAÇÕES DE POLITICAMENTE CORRETINHO
Não sei se vocês leram que o Conselho Nacional de Educação (CNE) pediu que meu livro, Caçadas de Pedrinho, fosse retirado das escolas. Motivo? No entender do órgão, algumas frases da história são racistas, especialmente as relacionadas à personagem Tia Nastácia. Como medida conciliatória, alguns sugeriram a inclusão de uma nota explicativa sobre o contexto histórico em que o livro foi escrito, de tal forma a evitar que esse clássico da literatura infanto-juvenil deixe de circular entre os estudantes brasileiros.

Minha intenção aqui não é me defender nem tampouco alimentar o fogo dessa polêmica. Meu ponto é outro. Gostei da ideia de introduzir uma nota explicativa. Mas em vez de contextualizar o passado, talvez fosse melhor dedicá-la a contextualizar o presente. Pelo simples fato de que as crianças de hoje perderam bastante da ingenuidade e estão afastadas do convívio com a natureza.

Aquela expressão “tirem as crianças da sala” não faz mais sentido. Elas assistem a tudo na internet. Um adolescente de hoje já viu mais sexo na web do que toda a juventude sueca da década de 70 viu nas famosas revistinhas que circulavam por lá. Qualquer letra de rap ou funk é mais do que suficiente para eliminar as reservas de inocência e pureza naturais da tenra idade. Em compensação, as novas gerações só identificam uma galinha em dois formatos: jpg e bandejinha de supermercado.

Ao reler minha obra sob esse prisma, fiquei preocupado. As histórias seguem boas, mas a narrativa, os nomes dos personagens e dos lugares podem servir de munição pesada para interpretações maliciosas e piadas de duplo sentido. Entendam, quando escrevi minha coleção de livros infanto-juvenis as crianças da idade do Justin Bieber não cantavam sobre amores impossíveis e não assistiam a filmes como Tropa de Elite desacompanhadas dos pais.

Por tudo isso, decidi acatar a sugestão de alguns. Redigi a tal nota de esclarecimento que deve ser incluída nos meus livros infanto-juvenis (se é que isso ainda existe).

Nota de esclarecimento (Nota de esclarecimento sobre o termo esclarecimento. O mesmo foi aqui empregado não no sentido de tornar mais branco, mas sim no de se fazer mais explicado, com mais luz).

A personagem Dona Benta sempre esteve na história original. Ela não foi incluída posteriormente como merchandising de uma conhecida farinha de trigo.

O carinhoso apelido de Narizinho não sugere que tal personagem tem por hábito o consumo de drogas ilícitas pela via nasal. Quem o tem é a Emília, que ganhou vida ao aspirar o tal pó de pirlimpimpim.

Não há nenhuma evidência de que o Visconde de Sabugosa, apesar de falar com grande sabedoria, seja transgênico.

Marquês de Rabicó. Eu sei, é um nome complicado. Pode zoar à vontade.

Não é o que está queimando no cachimbo que faz o Saci pular sem parar. É a falta de uma perna mesmo.

Por fim, Sítio do Picapau Amarelo não é uma menção à propriedade rural de um órgão genital masculino de um oriental. Eu jamais cometeria um pleonasmo como Pica-Pau.

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Postado (do além) por: Monteiro Lobato
Fonte:
http://www.blogsdoalem.com.br/lobato/


Fonte: http://ciberensino.blogspot.com.br/search?updated-max=2010-11-30T09:23:00-08:00&max-results=7&start=14&by-date=false#uds-search-results

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